sob chuva
'Não há paz. Seria fácil demais retomar o controle se não fosse esse contínuo gotejar, esse derramar contínuo de corpos amolecidos, esse infinito tiquetaquear. [...] E o círculo da minha resistência se despedaça com um ribombar do coração que carambola na gaiola das costelas. Eis o silêncio, mas é só fingimento, pois basta apertar as pálpebras e até os cílios fazem barulho outras vezes teria bastado recordar que também me faço de Poeta. Que a poesia me salvou mil vezes. Mas nem a Poesia pode servir na última noite do mundo. E talvez este penar, este deixar-se arrastar pela fonte gurturja (profunda) dessa aparência de sono se chame solidão. Não há paz. Mas se poderia compartilhar esse morrer no escuro e renascer na luz. Poderia com o testemunho de um respiro ao lado.' (Bustianú, personagem de Marcello Fois, em Sangue do Céu , Record, 2005).